A Mulher Maravilha está com Câncer! E agora?

Era dia 04 de Janeiro de 2024, uma quarta-feira chuvosa, quando fui buscar o resultado de um exame de colonoscopia que havia feito no final de dezembro de 2023. Abri o envelope toda confiante que tudo estaria normal, assim como estavam muitos exames que fiz na minha vida. Mas para minha surpresa, neste exame observei um termo estranho – ‘neoplasia avançada do reto’. Estava no carro, no banco do passageiro, meu marido quem estava dirigindo e meu filho caçula estava no banco de traz. Fui imediatamente procurar no Google o significado deste termo e encontrei o seguinte:  “Ele se desenvolve quando as células do intestino sofrem mutações genéticas que levam à multiplicação descontrolada dessas células, gerando um tumor maligno.”

Choquei! Por alguns instantes, não acreditei no que estava lendo! Não é possível, pensei! Respirei e me dei conta que sim, aquilo que lia era verdadeiro! Imediatamente, levei minhas mãos na minha barriga, de forma que estivessem na altura meu intestino e disse em pensamento: “Gratidão câncer por você se manifestar!” (Na data do diagnóstico estava com 55 anos).

Preciso contar que meus pais tiveram câncer de intestino. Não foi o câncer que levou meus pais, mas as consequências deste tratamento. Meu pai, fez a cirurgia de retirada do câncer de intestino e foi um sucesso, entretanto ele teve uma hérnia inguinal, precisando retornar para uma cirurgia de correção por consequência pegou uma infecção hospitalar que evoluiu para uma infecção generalizada, ficando dias internado no hospital para tratamento, veio a óbito em janeiro de 2012.  Minha mãe,  cinco anos depois do falecimento do meu pai, recebeu o diagnóstico de câncer do intestino, encaminhada para cirurgia para retirada do tumor; a cirurgia foi um sucesso, mas ela teve um coágulo que se desprendeu e se instalou no pulmão, ela faleceu de parada cardiorrespiratória.

Tenho duas irmãs, uma mais velha e a caçula. Após o falecimento da minha mãe, isso em março de 2017, a médica oriento-nos que fizéssemos o exame de colonoscopia, devido as doenças de nossos pais. Nenhuma de nós o fez. Até que eu observando que minhas fezes apresentavam sangue, decidi procurar o médico, contando o caso dos meus pais, este me solicitou os exames, que me identificaram está doença.

Bem, com este histórico que lhes contei, assim que minhas irmãs souberam do meu diagnóstico, ficaram tristes e muito preocupadas, quero lembrar também, que meu marido era viúvo e que o motivo do falecimento de sua esposa foi também uma doença no intestino;  faleceu de ruptura de colite. Por aí, vocês podem imaginar a situação! Além do diagnóstico que eu acabara de receber, e, que não sabia o que faria ou como seria o tratamento, pois aguardava agendamento de médico pelo SUS (Sistema Único de Saúde); tinha ainda que ‘lidar’ com as emoções das minhas irmãs e marido, além dos familiares, amigos e colegas de trabalho. Mal estava dando conta das minhas emoções!

Mas, para minha sorte, havia marcado de fazer um retiro de autoconhecimento no Rio de Janeiro; um retiro de 10 dias. Bem, tirar esses dias para cuidar de mim, olhar verdadeiramente para o meu sentir, foi magnifico!

Então, para entender um pouco dos possíveis motivos que levaram meu corpo a desenvolver um câncer no intestino, precisarei voltar um pouco à história, para contar para vocês a minha trajetória de trabalho, os meus empreendimentos, meus anseios e desafios na minha profissão. No meio de tanto empenho e dedicação, acabei sendo uma empreendedora descuidada com a minha própria saúde, o que, certamente, também, contribuiu para o surgimento da doença.

Sou formada em Psicologia e mestre em Psicogerontologia. Atuo em clínica psicológica presencial e online, faço palestras em empresas, sou professora de ensino técnico e de Yoga, além de realizar atendimentos em Aromaterapia. Já fui coordenadora pedagógica e coordenadora de projetos, desenvolvendo formação continuada para professores de uma instituição com mais de 25 mil docentes. Além de tudo isso, cuido da casa, dos filhos, dos pets e do esposo.

Parece fácil administrar tudo isso! Foi o que eu pensei!

Mas, preciso dizer que nem tudo são flores! Segui numa carreira com status, e meu nome era muito importante. Por isso, além das palestras, fazia lives, gravava aulas, desenvolvia dinâmicas, escrevia artigos e ainda tinha os fins de semana ocupados com alguns eventos. Nunca parava para nada! Acreditava que assim era a vida, assim era o meu viver.

Sofri algumas situações (assédio moral), discutia com uma pessoa aqui e outra ali, nem sempre estava bem com as irmãs, estava no meu segundo casamento, seguindo um caminho sempre cheio de tarefas. Isso tudo no mesmo ano em que o câncer já havia se instalado no meu corpo e eu nem suspeitava.

E por que eu nem suspeitava que estava doente?

Porque inconscientemente eu vivia achando que era a Mulher Maravilha (nem tão bonita, nem tão forte e muito menos invencível). O estereótipo da Mulher Maravilha é algo muito comum nas mulheres empreendedoras. A mulher empreendedora dos dias atuais, assim como a Mulher Maravilha, dá conta de tudo e de todos ao seu redor e não tem tempo para ficar doente, muitos menos para se cuidar, até porque ela tem que cuidar de todos!

Quando recebi o diagnóstico de câncer e em seguida fui fazer a jornada do autoconhecimento me perguntei: Quando foi que comecei a “achar” que eu era a Mulher Maravilha?  E outras perguntas começaram a surgir: Por que um câncer? Por que no intestino? Por que comigo?

Então, havia chegado a hora de preparar a mesa com café e chamar a Dona Câncer para conversar. E assim o fiz.

Devido ao meu trabalho como psicóloga e meus estudos de autoconhecimento, sabia que está doença não era minha inimiga. Sabia que ela só estava aqui para me ajudar. Então, por mais que soubesse que a Dona Câncer fosse forte e assustadora, olhei em seus olhos e lhe disse: Sei que está aqui para me ajudar! Sinto que os motivos que a trouxeram para estar comigo serão de grande aprendizagem, portanto, fique o tempo que precisar! Não estou aqui para lutar contigo, muito menos para vencê-la. Me mostre o que preciso ver!

Desde então, comecei a refazer os trajetos da minha vida, aqueles que muitas vezes nem olhei, pois, estava sempre muito ocupada. Percebi que após o rompimento do meu casamento com o pai dos meus filhos, e estes estavam com 4 e 11 anos, fiquei muito preocupada em dar conta de tudo para eles, sendo mãe e pai, trabalhando e cuidando da casa. Sei que isso foi um exagero, e de forma imaginária (somente agora consigo perceber) iniciei aí a construção da minha Mulher Maravilha. Depois, de ter vestido as roupas desta heroína, me senti poderosa! E então não parei mais. Fiz curso de especialização, além de vários cursos de formação, até que cheguei no mestrado! Percebi, que enchi meu intelecto, mas me esqueci daquilo que mais ensinava aos meus pacientes, alunos, colegas e internautas: A Auto-observação, o Autoconhecimento. Desejei ter uma carreira de sucesso, ser uma mãe maravilhosa, uma esposa divina e me esqueci de cuidar da minha saúde física e metal.

Freud disse: “se a boca se cala, falam as pontas dos dedos”, ou seja, frente à incompletude e o desejo de nunca errar, a melhor saída for seguir como se nada me atingiria, claro, que apenas de forma imaginária. 

Não tinha tempo para nada! Era o que eu dizia. Hoje, estou afastada das minhas atividades laborais e totalmente disponíveis para cuidar de mim. Uma sensação nova na minha vida! Algo inusitado! Estou amando estes novos momentos de cuidados comigo!

Hoje, enquanto escrevo estas palavras, estamos em agosto de 2024, já iniciei os tratamentos para a cura do câncer. Fiz 28 sessões de radioterapia e 10 sessões de quimioterapia. Meu tratamento está acontecendo no Hospital Luzia Pinho de Mello em Mogi das Cruzes, cidade onde resido.

Preciso contar, que quando marquei minha primeira consulta com a Oncologista, isso foi um choque! Nunca me imaginei numa consulta com este especialista! Mas, mesmo assim fui! Para minha surpresa, a médica que me atendeu, foi muito atenciosa, prestativa, me contando como seria meu tratamento.  Disse que faria as sessões de quimioterapia e radioterapia. Disse que a quimioterapia que faria não iria fazer os meus cabelos caírem. Me encaminhou para outros especialistas como: Nutricionista, Farmacêutica, Enfermeira, Médico cirurgião, Médica de Radioterapia e Assistente Social. 

Fui sempre muito bem atendida, pelos funcionários deste hospital! Sou grata a cada pessoa neste hospital que me atendeu!

Bem, mas chegou o momento de saber o que é passar pelas sessões de quimioterapia e radioterapia! No meu primeiro dia de tratamento, pensei: “Sou um ser humano, vivenciando a experiência de ter câncer. Vou observar, aprender, entender e não reclamar, apenas sentir esta experiência.” E assim fiz! A enfermeira escolheu cuidadosamente minha veia para o acesso da quimioterapia. Doeu, confesso! Mas observei o cuidado dela. Sentir o desconforto do remédio gelando as veias foi inevitável. Em seguida, fui para a radioterapia. Deitei-me de barriga para baixo em uma mesa, posicionada para receber as radiações. O atendente me preparou e saiu da sala, deixando-me sozinha com o som de cada radiação recebida; eram quatro radiações no intestino por sessão.

Durante a radioterapia, não senti dor ou desconforto. No entanto, após 28 sessões, os sintomas foram desagradáveis. Tive diarreia, cólicas, gases e inflamação no intestino. Levei 10 dias para me recuperar das fortes dores. Mal conseguia me mexer, sofri com assaduras e muita dor. Mas, quando tudo passou, foi um alívio! Esta foi a experiência que tive. Hoje, sei o que é fazer um tratamento de câncer de intestino com radioterapia e quimioterapia, e posso dizer, foi bem menos difícil do que imaginei. 

Ainda estou em tratamento, farei a cirurgia para retirada do tumor. A Radioterapia e  Quimioterapia ajudaram a diminuir a lesão, o que possibilita ter uma cirurgia com mais sucesso. 

Após a cirurgia, ainda serão necessários mais algumas sessões de quimioterapia, pois o intestino é um órgão que exigi cuidados, pois, pode acontecer de alguma célula cancerosa ter escapulido. As próximas sessões de quimioterapia serão com o objetivo de proteger todo meu corpo e evitar a manifestação de câncer em outros órgãos.

Com toda esta experiência foi possível observar o quanto eu sou frágil! Aliás, o quanto nós, seres humanos somos frágeis! Precisei do câncer para compreender que a Mulher Maravilha foi só um personagem que criei para suportar a vida que estava vivendo. Uma vida em que precisava vencer todos os dias! E já que criei uma heroína que precisava vencer, logo procurei grandes inimigos para fazer jus a esta Mulher Maravilha.

Hoje, disposta a cuidar de mim, encontro tempo para respirar, caminhar, ler, dormir e para avaliar o que de fato quero para os meus próximos dias. E consigo visualizar, que não posso mais ser desonestar comigo mesma! Portanto, agradeço a Dona Câncer por me mostrar o quanto preciso me ouvir e me acolher para seguir fazendo o que gosto verdadeiramente, sem excessos e sem me preocupar com status. Irei trabalhar, empreender, porém, jamais irei soltar da minha mão; seguirei de mãos dadas comigo, para ser quem realmente eu sou.

Enquanto me vestia de Mulher Maravilha, fiquei doente, com estresse, depressão, insônia. Levando ao diagnóstico de câncer de intestino. Foi quando iniciei o tratamento de câncer que me curei! Minha irmã Rosangela, enquanto me acompanhava em uma das sessões de quimioterapia, me disse: “Meire, você está com câncer, mas não está doente.”

A Mulher Maravilha está com câncer. E agora?

A Mulher Maravilha é o que chamamos, em psicologia, de Arquétipo. Então, agora eu me reconheço e assumo quem sou. Assumindo meu lugar de ser eu, e,  reconhecendo que sendo eu, faço tudo que preciso por mim. Sendo assim, concluo que sou uma maravilhosa mulher.

Gratidão Dona Câncer!